sábado, 29 de outubro de 2011

EDUCAFRO intensifica relacionamento com países africanos da língua portuguesa


Extraído de http://www.educafro.org.br/index.html


Entre os dias 28 a 30 de setembro o Diretor Executivo da Educafro, Frei David mais a EDUCAFRO BRASILIA, participaram intensivamente do 1º Fórum da Sociedade Civil da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa, onde na mesa de trabalho com os temas educação, saúde, ecologia e trabalho, foram feitas ricas intervenções, trazendo à tona a realidade afro-brasileira.

Ficou evidenciado que o africano ao chegar ao Brasil tem uma compreensão mágica da realidade brasileira que não condiz com o sofrimento dos afro-brasileiros.

O jornal da EDUCAFRO foi partilhado com todos os presentes dos países como Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Portugal, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, o que os levou a ter diversas interrogações procurando respostas com os cinco integrantes da EDUCAFRO BRASILIA no encontro.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Vão ter que engolir Lênin, também


A atual crise vem obrigando alguns analistas burgueses a admitir que Marx estava certo quanto ao capitalismo. Mas tudo indica que é só o começo.

Acaba de ser divulgado um estudo que revela uma imensa concentração do capital mundial. Trata-se de “The network of global corporate control” (“A rede de controle das corporações globais”). Obra de Stefania Vitali, James B. Glattfelder e Stefano Battiston para o Instituto Federal de Tecnologia de Zurique.

A pesquisa levantou dados de 43 mil empresas multinacionais. Chegou à conclusão de que 80% do valor delas são controlados por 737 bancos, companhias de seguros e grandes grupos empresariais. Destes, somente 147 dominam 40% do valor econômico e financeiro de todas as outras empresas globais. Mas neste último grupo, 50 gigantes capitalistas formam um clube ainda mais poderoso.

Os autores afirmam que tamanha concentração é altamente vulnerável a um “risco sistêmico”. Ou seja, se um vacila, os outros tremem e o mundo inteiro sacode. Também mostra o poder que tais grupos têm para fazer valer seus interesses junto aos políticos. Explica porque os governos insistem em aprovar planos que favorecem o grande capital e penalizam os trabalhadores.

Lênin já alertava para esse fenômeno em seu livro “Imperialismo, fase superior do capitalismo”, de 1917. Num trecho ele diz:

Há meio século, quando Marx escreveu “O Capital”, a livre concorrência era, para a maior parte dos economistas, uma “lei natural”. A ciência oficial procurou aniquilar, por meio da conspiração do silêncio, a obra de Marx, que tinha demonstrado, com uma análise teórica e histórica do capitalismo, que a livre concorrência gera a concentração da produção, e que tal concentração, num certo grau do seu desenvolvimento, conduz ao monopólio. Agora o monopólio é um fato. Os economistas publicam montanhas de livros em que descrevem as diferentes manifestações do monopólio e continuam a declarar em coro que o marxismo foi refutado. Mas os fatos são teimosos e, (...) gostemos ou não, é preciso levá-los em conta.

Gostem ou não os capitalistas, além de Marx, ainda vão ter que engolir Lênin.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Che Guevara e os mortos que nunca morrem


Diz Eduardo Galeano, que conheceu o Che Guevara: ele foi um homem que disse exatamente o que pensava, e que viveu exatamente o que dizia. Assim seria ele hoje. Já não há tantos homens talhados nessa madeira. Aliás, já não há tanto dessa madeira no mundo. Mas há os mortos que nunca morrem. Como o Che. E, dos mortos que nunca morrem, é preciso honrar a memória, merecer seu legado, saber entendê-lo. Não nas camisetas: nos sonhos, nas esperanças, nas certezas. Para que eles não morram jamais. O artigo é de Eric Nepomuceno.

Eric Nepomuceno

No dia em que executaram o Che Guevara em La Higuera, uma aldeola perdida nos confins da Bolívia, Julio Cortázar – que na época trabalhava como tradutor na Unesco – estava em Argel. Naquele tempo – 9 de outubro de 1967 – as notícias demoravam muito mais que hoje para andar pelo mundo, e mais ainda para ir de La Higuera a Argel.

Vinte dias depois, já de volta a Paris, onde vivia, Cortázar escreveu uma carta ao poeta cubano Roberto Fernández Retamar contando o que sentia: “Deixei os dias passarem como num pesadelo, comprando um jornal atrás do outro, sem querer me convencer, olhando essas fotos que todos nós olhamos, lendo as mesmas palavras e entrando, uma hora atrás da outra, no mais duro conformismo... A verdade é que escrever hoje, e diante disso, me parece a mais banal das artes, uma espécie de refúgio, de quase dissimulação, a substituição do insubstituível. O Che morreu, e não me resta mais do que o silêncio”.

Mas escreveu:

Yo tuve un hermano

que iba por los montes

mientras yo dormía.

Lo quise a mi modo,

le tomé su voz

libre como el agua,

caminé de a ratos

cerca de su sombra.

No nos vimos nunca

pero no importaba,

mi hermano despierto

mientras yo dormía,

mi hermano mostrándome

detrás de la noche

su estrella elegida.

A ansiedade de Cortázar, a angústia de saber que não havia outra saída a não ser aceitar a verdade, a neblina do pesadelo do qual ninguém conseguia despertar e sair, tudo isso se repetiu, naquele 9 de outubro de 1967, por gente espalhada pelo mundo afora – gente que, como ele, nunca havia conhecido o Che.

Passados exatos 44 anos da tarde em que o Che foi morto, o que me vem à memória são as palavras de Cortázar, o poema que recordo em sua voz grave e definitiva: “Eu tive um irmão, não nos encontramos nunca mas não importava, meu irmão desperto enquanto eu dormia, meu irmão me mostrando atrás da noite sua estrela escolhida”.

No dia anterior, 8 de outubro de 1967, um Ernesto Guevara magro, maltratado, isolado do mundo e da vida, com uma perna ferida por uma bala e carregando uma arma travada, se rendeu. Parecia um mendigo, um peregrino dos próprios sonhos, estava magro, a magreza estranha dos místicos e dos desamparados. Foi levado para um casebre onde funcionava a escola rural de La Higuera. No dia seguinte foi interrogado. Primeiro, por um tenente boliviano chamado Andrés Selich. Depois, por um coronel, também boliviano, chamado Joaquín Zenteno Anaya, e por um cubano chamado Félix Rodríguez, agente da CIA. Veio, então, a ordem final: o general René Barrientos, presidente da Bolívia, mandou liquidar o assunto.

O escolhido para executá-la foi um soldadinho chamado Mario Terán. A instrução final: não atirar no rosto. Só do pescoço para baixo. Primeiro o soldadinho acertou braços e pernas do Che. Depois, o peito. O último dos onze disparos foi dado à uma e dez da tarde daquela segunda-feira, 9 de outubro de 1967. Quatro meses e 16 dias antes, o Che havia cumprido 39 anos de idade. Sua última imagem: o corpo magro, estendido no tanque de lavar roupa de um casebre miserável de uma aldeola miserável de um país miserável da América Latina. Seu rosto definitivo, seus olhos abertos – olhando para um futuro que ele sonhou, mas não veria, olhando para cada um de nós. Seus olhos abertos para sempre.

Quarenta e quatro anos depois daquela segunda-feira, o homem novo sonhado por ele não aconteceu. Suas idéias teriam cabida no mundo de hoje? Como ele veria o que aconteceu e acontece? O que teria sido dele ao saber que se transformou numa espécie de ícone de sonhos românticos que perderam seu lugar? Haveria lugar para o Che Guevara nesse mundo que parece se esfarelar, mas ainda assim persiste, insiste em acreditar num futuro de justiça e harmonia? Um lugar para ele nesses tempos de avareza, cobiça, egoísmo?

Deveria haver. Deve haver. O Che virou um ícone banalizado, um rosto belo estampado em camisetas. Mas ele saberia, ele sabe, que foi muito mais do que isso. O que havia, o que há por trás desse rosto? Essa, a pergunta que prevalece.

O Che viveu uma vida breve. Passaram-se mais anos da sua morte do que os anos da vida que coube a ele viver. E a pergunta continua, persistente e teimosa como ele soube ser. Como seria o Che Guevara nesses nossos dias de espanto? Pois teria sabido mudar algumas idéias sem mudar um milímetro de seus princípios.

Diz Eduardo Galeano, que conheceu o Che Guevara: ele foi um homem que disse exatamente o que pensava, e que viveu exatamente o que dizia.

Assim seria ele hoje.

Já não há tantos homens talhados nessa madeira. Aliás, já não há tanto dessa madeira no mundo. Mas há os mortos que nunca morrem. Como o Che.

E, dos mortos que nunca morrem, é preciso honrar a memória, merecer seu legado, saber entendê-lo. Não nas camisetas: nos sonhos, nas esperanças, nas certezas. Para que eles não morram jamais. Como o Che.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A segunda década latinoamericana


Por Emir Sader


A primeira década do século XXI foi uma década latino-americana. Depois de ter sido vítima de ditaduras militares, da crise da dívida e de governos neoliberais, o continente mostrava, de novo, surpreendente capacidade de recuperação, gerando governos de resistência ao neoliberalismo, progressistas, como nunca na sua história.

São governos que agem no marco das transformações negativas das décadas anteriores, com a herança pesada que receberam: Estados enfraquecidos, sociedades fragmentadas, processos de desindustralização, renúncia à soberania, entre tantas outras.

De novo a América Latina mostrou imensa capacidade de recuperação, como tinha feito em momentos anteriores de sua história, diante de outras derrotas. Por isso chamo o continente de Nova Toupeira, no meu livro com esse nome. Desta vez foi a dura recuperação dos governos neoliberais, que devastaram o continente.

Foi necessário recompor a capacidade de indução do crescimento por parte dos Estados, resgatar direitos sociais, superar as recessões em que estavam nossas economias. Tudo em meio a uma herança muito negativa e a um contexto internacional desfavorável.

Ainda assim a America Latina protagonizou uma década memorável, em que começou a reverter seu triste recorde de ser o continente mais injusto do mundo. Para isso, os governos progressistas latino-americanos colocaram em prática políticas sociais criativas, que distribuíram renda, estenderam o mercado interno de consumo popular, integraram milhões de pessoas ao consumo básico e aos direitos elementares de cidadania, elevaram regularmente o poder aquisitivo dos salários e os empregos formais.

Por outro lado, foram sendo criados na região espaços de integração regional – Mercosul, Unasul, Banco do Sul, Conselho Sulamericano de Defesa, Corporação Andina de Fomento, entre outros, conformando o único espaço de integração autônomo em relação aos Estados Unidos. Foram priorizadas as alianças intraregionais e com o Sul do mundo, o que foi gerando um novo mapa político mundial e um mundo multipolar do ponto de vista econômico. A crise em que se encontra o capitalismo internacional desde 2008 revelou, com mais força, as vantagens desse tipo de inserção internacional: nossos países entraram mais tarde e saíram mais cedo do primeiro ciclo da crise e se defendem hoje muito melhor do que os do centro do sistema.

Os governos progressistas fizeram da América Latina a região mais avançada do mundo na luta contra o neoliberalismo. A única que combate sistematicamente as desigualdades sociais, que propõe formas inovadoras de políticas sociais, de reforma do Estado, de integração regional e de inserção internacional soberana. E esta tem tudo para ser a segunda década seguida da América Latina.

SUGESTOES DE LEITURA

- Filosofia da práxis

Adolfo Sanchez Vasquez

Editora Expressao Popular

- De Gramsci a Rousseau

Carlos Nelson Coutinho

Boitempo Editorial

- História da nação latino-americana

Jorge Abelardo Ramos

Editora Insular

terça-feira, 4 de outubro de 2011

A ARTE DE DESAPRENDER


Frei Betto


Apresentou-se à porta do convento um médico interessado em tornar-se frade. O prior encarregou o mestre de noviços de atendê-lo.

― Caro doutor – disse o mestre – o prior envia-lhe esta lista de perguntas. Pede que tenha a bondade de respondê-las de acordo com os seus doutos conhecimentos.

O jovem médico, acomodado no parlatório, tratou de preencher o questionário. Em menos de uma hora devolveu-o ao mestre. Este levou o papel ao prior e retornou quinze minutos depois:

― O prior reconhece que o senhor demonstra grande conhecimento e erudição. Suas respostas são brilhantes. Por isso pede que retorne ao convento dentro de um ano.

O médico estampou uma expressão de desapontamento:

― Ora, se respondi corretamente todas as questões – objetou – por que retornar dentro de um ano? E se eu tivesse dado respostas equivocadas, o que teria sucedido?

― O senhor teria sido aceito imediatamente e, na próxima semana, já estaria entre os noviços.

― Então, por que devo retornar em um ano?

― É o prazo que o prior considera adequado para que o senhor possa desaprender conhecimentos inúteis.

― Desaprender? – surpreendeu-se o médico.

― Sim, desaprender. Entrar na vida espiritual é como empreender uma viagem: quanto mais pesada a bagagem, mais lentamente se cobre o percurso. Na sua há demasiadas coisas substantivamente inúteis.

E o doutor partiu sob promessa de retornar dentro de um ano, o que de fato sucedeu.

Assim como há escolas e cursos para aprender, deveria também existir para ensinar a desaprender. Quantas importantes inutilidades valorizamos na vida! Quantos detalhes sugam nossas preciosas energias e consomem vorazmente o nosso tempo! Quantas horas e dias perdemos com ocupações que em nada acrescentam às nossas vidas; pelo contrário, causam-nos enfado e nos sobrecarregam de preocupações.

Precisamos desaprender a considerar os bens da natureza produtos de uso próprio, ainda que o nosso uso perdulário se traduza em falta para muitos. Desaprender a valorizar um modelo de progresso que necessariamente não traz felicidade coletiva e uma economia cuja especulação supera a produção. Desaprender a olhar o mundo a partir do próprio umbigo, como se o diferente merecesse ser encarado com suspeita e preconceito.

O desaprendizado é uma arte para quem se propõe a mudar de vida. Nessa viagem, quanto menos bagagem e mais leveza, sobretudo de espírito, melhor e mais rápido se alcança o destino. Vida afora, carregamos demasiadas cobranças, mágoas, invejas e até ódios, como se toda essa tralha fizesse algum mal a outras pessoas que não a nós mesmos.

O que nos encanta nas crianças com menos de cinco anos é a interrogação incessante, o interesse pela novidade, o espírito despojado. Era isso que sinalizou Jesus quando alertou a Nicodemos ser preciso nascer de novo, sem retornar ao ventre materno, e tornar-se criança para ingressar no Reino de Deus.

O médico candidato a noviço comprovou ser bem informado, mas ignorava a distinção entre cultura e sabedoria. Soube elencar as mais célebres telas da pintura universal, sem no entanto ter noção do que significam e por que o artista fez isto e não aquilo. Conhecia todas as doenças de sua especialidade, sem a devida clareza de como se relacionar com o doente.

A humanidade não terá futuro promissor se não desaprender a promover guerras e a considerar a pobreza mero resultado da incapacidade individual. Urge desaprender a valorizar o supérfluo como necessário e a ostentação como sinal de êxito. Desaprender a perder tempo com o que não tem a menor importância e se dedicar mais nos cuidados do corpo que do espírito.

A vida espiritual é um contínuo desaprender de apegos e ambições, vaidades e presunções. A felicidade só conhece uma morada: o coração humano. Eis aí milhões de viciados em drogas a gritar a plenos pulmões terem plena consciência de que a felicidade resulta de uma experiência interior, de um novo estado de consciência. Como não aprenderam a abraçar a via do absoluto, enveredaram pela do absurdo.

E convém aprender: no amor mais se desaprende do que se aprende.

Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.